Como se define no texto que se segue, o Desejo anda escondido no meio de outras definições que se confundem...
"Desejo. É uma coisa engraçada e
dá-se-lhe pouco apreço. No amor todos querem espetar o dedo, como quem gira um
globo de plástico e o pára só para dizer "Estive aqui!", apontando
para um sítio do planeta. "Amei aqui!", dedo espetado na ferida que
esse bastardo tem por costume deixar. Do desejo fala-se pouco: levantam-se mãos
que “Não fui eu!”. Varre-se para debaixo do tapete, desligam-se as luzes antes
de o cumprimentar, porque ai de quem lhe veja os olhos. O seu lado lunar,
pulsando vaidades animalescas que ninguém consegue pintar em alegorias. O amor
ensina-se às crianças; sexo tem idade. Podemo-nos apaixonar aos 4 anos e
seremos idolatrados do infantário à reforma – é história de se gabar aos netos.
Se aos 4 fala de sexo, é prematura e dir-se-à promíscua até aos 30 – e só os
pais saberão o pudico e secreto incidente. Contam-se romances e interioriza-se
que o amor é uma coisa tão agradável que não lhe bastam todas as metáforas nem
suficientes lhe são todas as líricas. O amor é como um suminho de laranja natural,
apetece. A apregoada imagem de um casal idoso que dá as mãos, passeando na rua,
comove mundos. Imaginam-se enredos, de uma paixão proibida, restringida, e um
amor que vinga incondicional e independentemente. Não há histórias da luxúria
na primeira pessoa, os contos exigem coerência que o desejo não tem. Desejo-te. Não se diz. É comprido demais, tem muitas sílabas, não fica bem em
inglês e certamente se perde nas traduções para o francês. Roça o pornográfico
se virmos por línguas espanholas. Cai em desuso, porque áspero. O desejo é como
um limão, não se lhe pode trincar que incomoda até às vísceras. Até faz parecer
que não se gosta de uma pessoa: queremo-la. E se "quero-te bem" é
amoroso, "quero-te", assim, sozinho, desnudo, já parece capricho. Mas
queres porquê? Egoísmo, pela certa! E ai dos Homens que se prestem a vanglórias,
olhem o amor que é altruísta! Coisa bonita! Existe para lá do corpo e... morre
sem ele. Porque dêem-me quantas líricas queiram, poética que o seja, não vejo
amor sem desejo. Sem um "chega-me para cá essas pernas, mulher!" ou
um agarrar de unhas cravadas nas costas dele, porque se o deseja por inteiro.
Só havendo laranjas, não nos sai da cabeça a imagem amarela e reluzente daquele
limão - Trinca-me.
E porque é o que mais nos aproxima dos
animais, é o que mais nos assusta. Julgamo-nos tão racionais e, no final de
contas, tão especiais... que nos esquecemos que é o desejo que nos alimenta o
amor. Impropriamente, o Amor Próprio - rei de todos os outros."